A beleza indiana vence o preconceito americano
ESCOLHA INÉDITA Nina Davuluri, já com a coroa de Miss America. Muitos preferiam ver uma loira em seu lugar (Foto: Mel Evans/AP) |
Nina Davuluri, de 24 anos, é linda e inteligente. Com méritos, foi eleita nesta semana a primeira Miss America descendente de indianos na história dos Estados Unidos. Na festa, em Atlantic City, derrotou outras 53 competidoras em provas de roupa de banho, vestido de noite, talento e entrevistas. Antes mesmo da vitória, Nina surpreendera. Na competição de talentos, dispensou tradicionais estilos americanos e fez uma dança clássica indiana, com movimentos difundidos pelos filmes de Bollywood, a nababesca indústria cinematográfica da Índia. Em sua primeira entrevista coletiva, estava exultante. “Estou feliz porque a organização do evento abraçou a diversidade”, afirmou. “Há crianças assistindo ao prêmio em casa que podem, finalmente, se sentir parte do Miss
Nina Davuluri, já com a coroa de Miss America. Muitos preferiam ver uma loira em seu lugar (Foto: Mel Evans/AP)America.”
Suas lágrimas de emoção e a escolha como Miss America deveriam celebrar a tão decantada diversidade americana. Mas o conto de fadas teve seus percalços. Assim que o apresentador do evento pôs a coroa nos longos cabelos negros de Nina, houve uma enxurrada de críticas. Ela desbancara a vencedora do voto popular, a Miss Kansas, Theresa Vail – uma loira de olhos azuis, corpo turbinado e sargento do Exército americano. Para muitos, Theresa era o protótipo da americana perfeita. “Os juízes liberais do Miss America não dirão isso – mas a Miss Kansas perdeu porque representa de verdade os valores americanos”, escreveu Todd Starnes, comentarista da emissora Fox News.
Nas redes sociais, as reações foram ainda mais virulentas, com milhares de mensagens preconceituosas. “Se você é uma #MissAmerica, você precisa ser americana”, escreveu um usuário do Twitter. A crítica que melhor combinou preconceito e ignorância dizia que o prêmio foi para uma mulher de origem “árabe” poucos dias após o aniversário dos atentados de 11 de setembro. “11/9 foi há quatro dias, e uma árabe vence o Miss America?”, disse um usuário. “Como uma estrangeira venceu o Miss America? Ela é árabe!”, escreveu outro.
Nina não é de origem árabe, mas indiana (uma mera consulta ao mapa-múndi ajudaria os preconceituosos a identificar a distância entre as duas regiões). Além disso, ela é americana de nascimento. Em 1981, o pai de Nina, o ginecologista Davuluri Koteshwara Choudhary, seguiu os passos de milhões nos dois últimos séculos e emigrou para a terra da oportunidade em busca do sonho americano. Trocou a pequena Vijayawada, no nordeste da Índia, pelo Missouri, no coração dos Estados Unidos, para clinicar no consultório de um conhecido. Ele viajou com sua mulher, Sheila Ranjani, engenheira da computação. Nina nasceu em Syracuse, a quinta maior cidade do Estado de Nova York, oito anos depois da chegada dos pais ao país. Na ocasião, ambos já tinham cidadania americana. Nina frequentou bons colégios locais, participou de corais e de atividades sociais e foi uma destacada cheerleader, a típica animadora de torcida do time de futebol americano do colégio. Estudante acima da média, entrou na Faculdade de Medicina da Universidade de Michigan. Ganhou prêmios de mérito estudantil e formou-se em 2006, com especialização em comportamento cerebral e ciências cognitivas. Sua beleza chamava tanto a atenção quanto a inteligência. Aos 19 anos, já ganhara concursos de miss. Foi eleita Miss Syracuse em 2012 e Miss Nova York no começo deste ano – a primeira Miss Nova York descendente de indianos.
Reações raivosas são praxe na eleição de Miss America – ainda mais quando a coroada não é branca. Em setembro de 1983, Vanessa L. Williams foi escolhida a primeira Miss America negra da história do concurso, que existe desde 1921. Vanessa recebeu centenas de cartas com ofensas pessoais e ameaças de morte. “Nunca imaginei que pudesse ficar deprimida como Miss America”, afirmou numa entrevista à revista americana People. Em 2010, a descendente de libaneses Rima Fakih ganhou o Miss Estados Unidos, um concurso rival do Miss America. Além das ofensas na internet, Rima chegou a ser acusada de ter ligações com o grupo extremista Hezbollah.
Durante anos, o debate sobre o preconceito contra os negros dominou os Estados Unidos. Se essa discussão lhes garantiu o merecido espaço na sociedade, também ofuscou a discussão sobre os americanos filhos de imigrantes. São pessoas como Nina, nem brancos nem negros, que enfrentam discriminação diariamente. “Tenho de ficar acima disso. Sempre me vi como americana em primeiro lugar”, disse Nina, com elegância e serenidade, depois de saber das reações preconceituosas a sua escolha. “Para cada tuíte, post ou comentário negativo, houve dezenas de comentários positivos e de apoio.” Esse apoio reproduz o espírito acolhedor que fez dos Estados Unidos uma nação multicultural – e uma superpotência.
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