Brasil
03/05/2014 | domtotal.com
Pelé parte para o ataque
Campeão se diz mal interpretado por jornalistas e quer ‘ser reconhecido em vida’.
Por Pedro Cifuentes*
Ninguém exemplifica como Edson Arantes do Nascimento, “Pelé”, a crescente desconexão entre a sociedade brasileira e o espetáculo do futebol à medida que se aproxima a “Copa de todas as Copas”. As suas declarações sobre as manifestações populares contra a organização da Copa, algumas surpreendentemente fora de tom dentro e fora do país, converteram as críticas ao tricampeão do mundo, o melhor atleta do século XX segundo o Comitê Olímpico Internacional, num elemento a mais a mais da convulsionada paisagem brasileira: se expressa com frequência, ocupa muitas manchetes, mas não chega ao coração do povo.
O ex-jogador de futebol e hoje deputado Romário, flagelo da classe dirigente, repetiu mais de uma vez que “calado, Pelé é um poeta, mas quando abre a boca só fala merda”. Há apenas alguns dias, depois que ‘O Rei’ considerou “uma coisa normal” a última morte de mais um operário (já foram oito) na construção dos estádios para a Copa, o jornalista brasileiro Cosme Rípoli publicou em seu blog um texto que se espalhou como vírus pelas redes sociais brasileiras. Começava assim: “Pelé não vai chorar por apenas mais um morto no Itaquerão. Nem por sua mãe, desesperada de tristeza, abraçada a uma panela. O Brasil ainda não aprendeu. Suas lágrimas são seletivas, egoístas. Só se derramam por Edson Arantes do Nascimento...” Agora o próprio campeão de 73 anos, se sente incompreendido, mal interpretado pelos jornalistas, e afirma que “quer ser reconhecido em vida”. “Não esperem que eu morra para me elogiar”.
O ex-campeão do mundo Tostão, que foi seu companheiro na seleção de 1970 e hoje é colunista de esportes, nega que exista “ódio pelo Pelé”. “Não é assim”, disse a este jornal. “A maioria absoluta o admira e reconhece que foi o melhor jogador de todos os tempos. Não agrada todo mundo, como é normal, eu mesmo critiquei algumas das suas declarações. Mas estão exagerando: o Pelé não menosprezou a morte do operário, só disse que isso acontece em todo lugar. Não podemos esperar que os grandes ídolos sejam exemplares, são como todo mundo. Pelé às vezes fala de coisas sobre as quais não está informado, não está preparado, e acaba sendo criticado. Mas é como qualquer um; outro no seu lugar também seria atacado”.
Discurso deplorável
Nas últimas semanas, da mesma forma que há um ano (coincidindo com a Copa das Confederações), Pelé é protagonista involuntário das manifestações de rua que exigem menos estádios e mais investimentos em hospitais e escolas. “Foi um grande jogador que trouxe muitas alegrias ao Brasil em determinados momentos”, diz Carolina, médica, numa marcha pacífica pelo bairro de Copacabana; “mas agora é pouco consciente, é uma pessoa que ama mais o dinheiro que o seu próprio país”. Seus pedidos públicos aos brasileiros para que não organizassem protestos durante a Copa para não “estragar um encontro maravilhoso que trará turistas e benefícios ao país”, lhe renderam ataques inclusive de ex-companheiros de seleção: Paulo César Lima, também colega na equipe que conquistou o Mundial de 1970, qualificou recentemente seu discurso de “deplorável”. “O cara é o atleta do século, a figura mais popular do mundo, e não aproveita isso para lutar por causas justas (...) Se tivesse mais clareza ou sensibilidade, faria uma revolução. Tem mais repercussão do que líderes políticos e religiosos. Mas não, ele prefere falar bobagens”.
Depois de se afastar do futebol, além de suas incursões no cinema, televisão e na música, Pelé foi nomeado Cavalheiro de Honra do Império Britânico, Embaixador da Educação e Ciência da Unesco e Ministro Extraordinário de Esportes do Brasil (1994-1998) entre outros muitos cargos e distinções. Um dos principais especialistas em marketing esportivo do Brasil, Amir Somoggi, explicou a este jornal que “o Brasil tem um sério problema com os seus ídolos”. “Pelé é querido no mundo inteiro, reverenciado como o Rei do Futebol, mas no Brasil é muito criticado, especialmente por suas declarações fora de contexto e, em muitos casos, por estar mal assessorado na construção da sua imagem pública. Aqueles que o conhecem dizem que é uma pessoa muito humilde e gentil, um cavalheiro... Por isso acho que existe um problema de comunicação com a população, que não conhece esse seu lado e cria uma imagem a partir das suas declarações”.
O recente acúmulo de problemas na vida de Pelé não para nas críticas, habituais desde seus célebres enfrentamentos públicos com Diego Armando Maradona na década passada. Há um mês, a conta de Twitter de um programa da CNN anunciou a sua morte numa mensagem simples: “O ex-jogador brasileiro Pelé morre aos 74 anos”. Minutos depois, a mensagem foi retirada com apressados pedidos de desculpas. Naqueles mesmos dias, enquanto Pelé estava nos EUA para lançar seu novo livro (‘Por que o futebol é importante?’), a casa da sua infância, num bairro na cidade de Bauru, no estado de São Paulo, foi incendiada intencionalmente e destruída por vândalos por motivos não esclarecidos.
Uma marca forte
Seja pela rarefeita atmosfera doméstica ou por motivações econômicas (“sua marca é muito forte e valiosa”, Somoggi explica: “ele faz muitas campanhas, tem muito espaço nos meios de comunicação e ganha muito dinheiro”), Pelé passa muito tempo fora do seu país, apresentando campanhas e produtos. Há pouco tempo, foi visto numa propaganda protagonizando um duelo com Cristiano Ronaldo para saber quem era mais famoso no âmbito internacional. No início de abril, ele apresentou em São Paulo uma série de 1.283 diamantes feitos (abrem-se aspas) “a partir de carbono extraído do seu cabelo” para comemorar cada um dos seus gols... E agora também é doutor: a Universidade de Hofstra, em Nova York, outorgou-lhe este mês o titulo de Doutor Honoris Causa por seu legado como jogador de futebol e seu trabalho filantrópico. Em meio a isso tudo, teve tempo ainda para estar no Chile e apresentar o programa governamental ‘Tribunais para o Chile’.
“O Pelé não tem capacidade para falar sobre o que acontece no Brasil porque não vive aqui, está sempre viajando”, declarou Romário à BBC há alguns dias. “Eu não o odeio, eu o respeito, mas o critico por dizer que o povo não deveria protestar durante a Copa (...) Eu digo que no Brasil está acontecendo o maior roubo da nossa história”. Custa reconhecer aqui o homem que sentenciou: “Em vez de se chamar futebol, o jogo deveria se chamar Pelé”.
O melhor da história
O que o melhor jogador de futebol da história acha sobre a próxima Copa do Mundo, aquela cujo sucesso ele defende com unhas e dentes? Ele diz que suas seleções favoritas são, além da brasileira, são as da Alemanha e da Espanha. E entre as possíveis surpresas destaca precisamente o Chile. Na “canarinha”, ele diz sentir falta de um grande centro-avante, do quilate de Ronaldo ou Romário, para acompanhar o fulgurante Neymar no ataque, segundo afirmou recentemente numa entrevista para a Associated Press. “O Brasil sempre teve um grande ataque, com grandes atacantes... Essa é a primeira vez que o Brasil tem problemas no ataque e jogadores melhores na defesa” (...) “Diego Costa teria sido uma solução para isso”. E concluiu: “Todo mundo, os meus amigos do Brasil, os outros jogadores que estavam na seleção, querem que tenhamos uma final entre o Brasil e o Uruguai: é a oportunidade da revanche, o que a maioria dos brasileiros quer”.
Pelé já havia sido objeto de críticas no ano passado, quando pediu aos brasileiros que parassem com os protestos sociais que começaram em junho, coincidindo com a Copa das Confederações. Os gastos com as obras dos estádios, os mais caros das últimas copas, foram um dos motivos das queixas.
O ex-jogador também questionou a organização dos grandes eventos, como a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro 2016. “São três eventos nos quais o Brasil poderia crescer como país. A Copa das Confederações já foi meio complicada, mas, graças a Deus, o Brasil foi campeão. Se não, poderíamos ter tido problemas. Tenho certeza de que o grande erro do nosso país, do governo foi esquecer que a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos poderiam abrir as portas para os turistas”, concluiu.
Ninguém exemplifica como Edson Arantes do Nascimento, “Pelé”, a crescente desconexão entre a sociedade brasileira e o espetáculo do futebol à medida que se aproxima a “Copa de todas as Copas”. As suas declarações sobre as manifestações populares contra a organização da Copa, algumas surpreendentemente fora de tom dentro e fora do país, converteram as críticas ao tricampeão do mundo, o melhor atleta do século XX segundo o Comitê Olímpico Internacional, num elemento a mais a mais da convulsionada paisagem brasileira: se expressa com frequência, ocupa muitas manchetes, mas não chega ao coração do povo.
O ex-jogador de futebol e hoje deputado Romário, flagelo da classe dirigente, repetiu mais de uma vez que “calado, Pelé é um poeta, mas quando abre a boca só fala merda”. Há apenas alguns dias, depois que ‘O Rei’ considerou “uma coisa normal” a última morte de mais um operário (já foram oito) na construção dos estádios para a Copa, o jornalista brasileiro Cosme Rípoli publicou em seu blog um texto que se espalhou como vírus pelas redes sociais brasileiras. Começava assim: “Pelé não vai chorar por apenas mais um morto no Itaquerão. Nem por sua mãe, desesperada de tristeza, abraçada a uma panela. O Brasil ainda não aprendeu. Suas lágrimas são seletivas, egoístas. Só se derramam por Edson Arantes do Nascimento...” Agora o próprio campeão de 73 anos, se sente incompreendido, mal interpretado pelos jornalistas, e afirma que “quer ser reconhecido em vida”. “Não esperem que eu morra para me elogiar”.
O ex-campeão do mundo Tostão, que foi seu companheiro na seleção de 1970 e hoje é colunista de esportes, nega que exista “ódio pelo Pelé”. “Não é assim”, disse a este jornal. “A maioria absoluta o admira e reconhece que foi o melhor jogador de todos os tempos. Não agrada todo mundo, como é normal, eu mesmo critiquei algumas das suas declarações. Mas estão exagerando: o Pelé não menosprezou a morte do operário, só disse que isso acontece em todo lugar. Não podemos esperar que os grandes ídolos sejam exemplares, são como todo mundo. Pelé às vezes fala de coisas sobre as quais não está informado, não está preparado, e acaba sendo criticado. Mas é como qualquer um; outro no seu lugar também seria atacado”.
Discurso deplorável
Nas últimas semanas, da mesma forma que há um ano (coincidindo com a Copa das Confederações), Pelé é protagonista involuntário das manifestações de rua que exigem menos estádios e mais investimentos em hospitais e escolas. “Foi um grande jogador que trouxe muitas alegrias ao Brasil em determinados momentos”, diz Carolina, médica, numa marcha pacífica pelo bairro de Copacabana; “mas agora é pouco consciente, é uma pessoa que ama mais o dinheiro que o seu próprio país”. Seus pedidos públicos aos brasileiros para que não organizassem protestos durante a Copa para não “estragar um encontro maravilhoso que trará turistas e benefícios ao país”, lhe renderam ataques inclusive de ex-companheiros de seleção: Paulo César Lima, também colega na equipe que conquistou o Mundial de 1970, qualificou recentemente seu discurso de “deplorável”. “O cara é o atleta do século, a figura mais popular do mundo, e não aproveita isso para lutar por causas justas (...) Se tivesse mais clareza ou sensibilidade, faria uma revolução. Tem mais repercussão do que líderes políticos e religiosos. Mas não, ele prefere falar bobagens”.
Depois de se afastar do futebol, além de suas incursões no cinema, televisão e na música, Pelé foi nomeado Cavalheiro de Honra do Império Britânico, Embaixador da Educação e Ciência da Unesco e Ministro Extraordinário de Esportes do Brasil (1994-1998) entre outros muitos cargos e distinções. Um dos principais especialistas em marketing esportivo do Brasil, Amir Somoggi, explicou a este jornal que “o Brasil tem um sério problema com os seus ídolos”. “Pelé é querido no mundo inteiro, reverenciado como o Rei do Futebol, mas no Brasil é muito criticado, especialmente por suas declarações fora de contexto e, em muitos casos, por estar mal assessorado na construção da sua imagem pública. Aqueles que o conhecem dizem que é uma pessoa muito humilde e gentil, um cavalheiro... Por isso acho que existe um problema de comunicação com a população, que não conhece esse seu lado e cria uma imagem a partir das suas declarações”.
O recente acúmulo de problemas na vida de Pelé não para nas críticas, habituais desde seus célebres enfrentamentos públicos com Diego Armando Maradona na década passada. Há um mês, a conta de Twitter de um programa da CNN anunciou a sua morte numa mensagem simples: “O ex-jogador brasileiro Pelé morre aos 74 anos”. Minutos depois, a mensagem foi retirada com apressados pedidos de desculpas. Naqueles mesmos dias, enquanto Pelé estava nos EUA para lançar seu novo livro (‘Por que o futebol é importante?’), a casa da sua infância, num bairro na cidade de Bauru, no estado de São Paulo, foi incendiada intencionalmente e destruída por vândalos por motivos não esclarecidos.
Uma marca forte
Seja pela rarefeita atmosfera doméstica ou por motivações econômicas (“sua marca é muito forte e valiosa”, Somoggi explica: “ele faz muitas campanhas, tem muito espaço nos meios de comunicação e ganha muito dinheiro”), Pelé passa muito tempo fora do seu país, apresentando campanhas e produtos. Há pouco tempo, foi visto numa propaganda protagonizando um duelo com Cristiano Ronaldo para saber quem era mais famoso no âmbito internacional. No início de abril, ele apresentou em São Paulo uma série de 1.283 diamantes feitos (abrem-se aspas) “a partir de carbono extraído do seu cabelo” para comemorar cada um dos seus gols... E agora também é doutor: a Universidade de Hofstra, em Nova York, outorgou-lhe este mês o titulo de Doutor Honoris Causa por seu legado como jogador de futebol e seu trabalho filantrópico. Em meio a isso tudo, teve tempo ainda para estar no Chile e apresentar o programa governamental ‘Tribunais para o Chile’.
“O Pelé não tem capacidade para falar sobre o que acontece no Brasil porque não vive aqui, está sempre viajando”, declarou Romário à BBC há alguns dias. “Eu não o odeio, eu o respeito, mas o critico por dizer que o povo não deveria protestar durante a Copa (...) Eu digo que no Brasil está acontecendo o maior roubo da nossa história”. Custa reconhecer aqui o homem que sentenciou: “Em vez de se chamar futebol, o jogo deveria se chamar Pelé”.
O melhor da história
O que o melhor jogador de futebol da história acha sobre a próxima Copa do Mundo, aquela cujo sucesso ele defende com unhas e dentes? Ele diz que suas seleções favoritas são, além da brasileira, são as da Alemanha e da Espanha. E entre as possíveis surpresas destaca precisamente o Chile. Na “canarinha”, ele diz sentir falta de um grande centro-avante, do quilate de Ronaldo ou Romário, para acompanhar o fulgurante Neymar no ataque, segundo afirmou recentemente numa entrevista para a Associated Press. “O Brasil sempre teve um grande ataque, com grandes atacantes... Essa é a primeira vez que o Brasil tem problemas no ataque e jogadores melhores na defesa” (...) “Diego Costa teria sido uma solução para isso”. E concluiu: “Todo mundo, os meus amigos do Brasil, os outros jogadores que estavam na seleção, querem que tenhamos uma final entre o Brasil e o Uruguai: é a oportunidade da revanche, o que a maioria dos brasileiros quer”.
Pelé já havia sido objeto de críticas no ano passado, quando pediu aos brasileiros que parassem com os protestos sociais que começaram em junho, coincidindo com a Copa das Confederações. Os gastos com as obras dos estádios, os mais caros das últimas copas, foram um dos motivos das queixas.
O ex-jogador também questionou a organização dos grandes eventos, como a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro 2016. “São três eventos nos quais o Brasil poderia crescer como país. A Copa das Confederações já foi meio complicada, mas, graças a Deus, o Brasil foi campeão. Se não, poderíamos ter tido problemas. Tenho certeza de que o grande erro do nosso país, do governo foi esquecer que a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos poderiam abrir as portas para os turistas”, concluiu.
* Pedro Cifuentes é correspondente no México de El País, onde esta reportagem foi publicada originalmente.
Cala a boca fera, cê só fala m***.
Responder Aroeira