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sábado, 9 de novembro de 2013

08/11/2013  |  domtotal.com

Em que creem os brasileiros?

O Brasil perdeu drasticamente a fé nas instituições e reforçou apoio à família, à liberdade e à solidariedade.

Brasileiros despertam para o que traz bem estar e felicidade.
Por Juan Arias*

Os resultados de uma pesquisa nacional feita pela prestigiada Fundação Getúlio Vargas poderia fazer pensar que os brasileiros não acreditam em nada. De fato, os resultados sobre a fé e a confiança dos cidadãos em importantes instituições, como partidos políticos, o Congresso, a polícia, a Igreja católica, a imprensa e as Forças Armadas, levaria a pensar que os brasileiros se tornaram descrentes totais. Mas isso não é verdade.

Segundo a pesquisa, só 4.9% confiam nos partidos políticos. A maioria, 95,1%, não confia em nenhum deles. Apenas 19,5% acreditam no Congresso, sustentáculo da democracia e da participação popular na gestão pública, e 81,5% o rejeitam. A política não se sai muito melhor: só 29,9% confiam nela e 70,1% a rejeitam.

Até a Igreja católica, cuja religião ainda é professada por mais de 60% dos cidadãos, que sempre esteve muito presente na política social do país e goza de boa reputação de um modo geral, começou a perder credibilidade. Hoje, só 49,7% confiam nela e mais da metade a rejeitam: 50,3%. Isso, mesmo depois da visita do papa Francisco em julho passado, que pareceu significar uma injeção nos católicos, a ponto de muitos evangélicos confessarem que, depois do exemplo de desprendimento e simplicidade do papa de Roma, queriam voltar a ser católicos.

Descrença na mídia

O mesmo ocorre com a mídia que, no passado, era uma das instituições mais valorizadas. Hoje, só 29% confiam na televisão e 71% a rejeitam. A imprensa escrita e digital aparece um pouco melhor, rejeitada por apenas 62%, e com 38% que confiam nela. Até as Forças Armadas, que anos atrás eram a instituição em que os brasileiros mais depositavam a sua confiança, desceram na apreciação da população. Hoje 65,4% confiam nelas, enquanto 34,6% as rejeitam, o que indica, contudo, que continuam sendo a instituição melhor considerada.

Esta falta de confiança é grave, já que as seis instituições analisadas continuam perdendo credibilidade. As que mais perderam foram o Exército, com 10% em um ano, e a Igreja, que perdeu 8%, exatamente as duas que detinham os melhores índices de credibilidade. Já que isso é assim, é o caso de se perguntar em que os brasileiros creem e confiam, já que a confiança não é suscitada pelos políticos nem pela polícia ou a Igreja, a mídia e, cada vez menos, até o Exército.

Eles acreditam em valores opostos aos que recriminam nestas instituições, como o alto grau de corrupção dos políticos e da polícia e a falta de proximidade com as pessoas e a vida relaxada e burguesa da Igreja católica, por exemplo. Em contraposição, os brasileiros, sobretudo os mais pobres, continuam acreditando na instituição da família, cada vez menos tradicional em todas as formas que adquire hoje.

Repúdio aos partidos

Eles acreditam nos valores da solidariedade, nos espaços de liberdade para desfrutar a vida e o amor, e acreditam cada vez mais nas suas próprias capacidades. Por isso buscam criar as suas próprias pequenas empresas, principalmente entre os jovens. Gostam de todos os espaços de distensão, da música ao esporte, o baile e o churrasco compartilhado com os amigos. Gostam de viver em companhia, de partilhar experiências. Acreditam na força da comunicação, daí a sua presença crescente nas redes sociais. E acreditam no fenômeno religioso em quaisquer formas e credos. Os brasileiros são profundamente multirreligiosos. Podem acreditar e cultuar várias confissões ao mesmo tempo.

Gostam até de política, mas não a dos partidos. Preferem as ONGs, principalmente as que trabalham em ambientes sociais negligenciados pelas instituições estatais. Os brasileiros sabem desfrutar com o pouco ou muito que têm ao seu alcance. Dos políticos profissionais, apesar de não confiar neles, tentam tirar o maior partido possível, conquistando alguns para que “lhes deem uma mão”. Depois de usá-los, continuam desconfiando deles.

Nisso, se parecem, por exemplo, com os italianos: votam naqueles que sabem serem mais inclinados a “fazer favores”. Como na Itália, onde não se dá um passo sem um “padrinho”, no Brasil, paradoxalmente, ainda confiam na ajuda pontual do político ou padrinho em turno. Ficou famosa a afirmação irônica do romancista João Ubaldo, por exemplo, de que no Brasil era difícil que o movimento dos “indignados” pegasse, porque o sonho dos brasileiros é “ter um político corrupto” na família para resolver as suas pendências e problemas.

Por fim, acreditam no que lhes traz bem estar e felicidade. É pouco?
*Juan Arias é correspondente do El País no Brasil. Tradução de Cristina Cavalcanti.

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