FAGULHAS – 06/08/1897
Por: Coelho Neto
A caçada continua e com a mesma infelicidade. Se aqui, com a atilada matilha de agentes, a polícia sagaz perdeu a pista de Affonso – o equestre, como quer apanhar o centauro nos dilatados campos de Uberaba? Aqui elle pirou-se n’um cavallo branco e a policia prendeu vários indivíduos suspeitos, e alguns paletots, e camisas e o cavallo e cartas, sendo tudo interrogado em segredo de justiça… Affonso andava longe.
Já o julgávamos em Canudos, em alguma caatinga, fazendo fogo, quando um despacho nos veio dizer que o homem terrível fora agarrado no fim do mundo, que fica lá para as bandas de Goyaz.
Eu duvidei… O meu orgulho de fluminense adoptivo sentiu-se melindrado. Pois a nossa polícia, a nossa extraordinária polícia, rival do corpo de bombeiros, deixou escapar o falsificador e a polícia trangalhadansas de Goyaz levou a melhor na diligência. Pois nós, os da esclarecida Capital, nós, que damos as cartas, havemos de ser humilhados pelos de Goyaz! Não… E effectivamente não fomos!
Ora graças a Deus! Por nossa ventura, para orgulho nosso, Affonso Coelho evadiu-se, deixando os agentes goyanos tão embasbacados como o Dr. Noemio da Silveira. Já os sertões exultavam. Uberabinha estava em festa; nos ranchos das estradas celebrava-se o grande feito, quando Affonso, offendido no seu amor próprio de fluminense, disse lá de si consigo:
– Não! Preso por estes caboclos, nunca! Antes a morte! Se eu atirei terra aos olhos perspicazes do Dr. Noemio, se confundi todo o corpo de segurança da Capital, se pus em polvorosa a Rua do Lavradio, fazendo com que ficasse de promptidão a brigada policial, hei de me deixar agarrar por quatro sertanejos que nem ao menos são jagunços, isso não! Antes de tudo, eu sou fluminense e não quero ver humilhada a terra em que nasci. Se tenho de ser preso, meu Deus… Não seja aqui n’este cafundós e por tal gente, mas na Rua do Ouvidor pelo Chata… OChata sempre é outra cousa. E com taes idéias, que lhe ficam muito bem – valha a verdade! – porque mostram que Affonso ama a terra natal, foi logo tratando de arranjar um cavallo branco, escarranchou-se e, enquanto os agentes, em volta do fogo, no rancho, zangarreavam, elle corria, novo Maceppa, protegido pela noite que fez Risoleta. Esta salva a honra da policia da Capital Federal.
Mas – e aqui é que a questão ganha certa gravidade, tão grande que não creio que passe sem averiguações e inquérito – Quem deu fuga ao estellionatário? Quem arreiou o cavallo? Quem propôs a serenata? Quem começou o desafio á viola? Dizem que foi um homem mysterioso; e querem saber quem era esse homem? Um agente de polícia da Capital Federal.
Sim, um agente de polícia, que, tendo conhecimento da prisão de Affonso, ofendido na sua dignidade, partiu immediatamente ao encontro da diligência e, procurando fallar ao criminoso em particular, metteu-o em brios:
– Como é isso, seu Affonso? Pois você, um rapaz do Rio, não tem vergonha d’isso?
– D’isso que?
– De haver sido preso por uns matutos como esses!
– Homem… Não sei foi por mal palavra d’honra… Eu bem não queria, mas…
– Isso é uma vergonha para você e para nós…
– Eu também acho… E agora?
– Agora é você fugir outra vez… Eu arranjo as cousas. Você foge e vai esperar-me…
– Onde?
– Na Barra do Pirahy…
– Não, na rua do Ouvidor… No café Cascata…
– O café Cascata cahiu, homem de Deus…
– Cahiu…? Então na casa do Chico Bumba… rua da Ajuda…
– Varejo… O Chico só vende por atacado e isso mesmo pelos fundos…
– Foi, a polícia, homem…
– Que diabo! Também vocês mettem o nariz em tudo, até no Chico…
– Que se ha de fazer?… Mas espera… Pode ser na casa do Chico… Elle deu fiança, está na rua, quero dizer, está em casa outra vez…
– Então está feito, vou esperar-te em casa do Chico. Mas vê lá… Eu deixo-me prender para salvar a honra da polícia da Capital, mas quero um habeas-copus logo…
– Ora!
- Então, adeus! Que é do cavallo?
– Está alli atrás d’aquella cerca… Escuta: tens ahi miúdos?
– Pouco…
– Disfarça alguns… Boa viagem! Em casa do Chico…
– Sim, em casa do Chico…
Mulata, minha mulata,
Estica o braço trigueiro,
Já tenho parte da esteira,
Só me falta o travesseiro
E Afonso corria não para a casa de Chico, mas para o matto, que é maior, salvando a honra da policia da Capital Federal. Nobres sentimentos de rapaz!
Coelho Neto mudou-se para o Rio de Janeiro aos seis anos de idade. Cronista, Folclorista, Romancista, Crítico e Teatrólogo, foi considerado O Príncipe dos Prosadores Brasileiros.
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