Páginas

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

24/10/2013
 às 17:07

A ALGUNS VEGETARIANOS – Para que tanta paixão sanguinolenta, meu Deus!, pergunta o meu coração…

Eu, hein… Tenho amigos vegetarianos, uma gente de paz. Um deles é meio mal-humorado. “Come um bife que passa!”, costumo brincar. Ele não se zanga, não por isso. E também não nos trata, aos outros, os onívoros, como seres maus ou moralmente inferiores. Sempre que pedimos, ou sempre que ele decide, discorre sobre as vantagens do vegetarianismo, o que me parece uma escolha individual como qualquer outra, desde que as pessoas cuidem direito do equilíbrio de nutrientes. Uma dieta pobre de ferro, sem a reposição, segundo sei, pode ser devastadora para a saúde dos adultos e comprometer para sempre o desenvolvimento intelectual de crianças.
Eu não entendo muito dessas coisas, não. Na verdade, nada! Quem talvez possa discorrer com competência a respeito é meu amigo Ricardo Bonalume Neto, que sempre sabe tudo sobre assuntos complicados — das leis da evolução às armas usadas nas guerras do Fundodomundistão… O que me parece, numa aproximação meramente lógica do assunto, é que ser onívoro significa uma vantagem sobre ser exclusivamente herbívoro ou carnívoro. Será essa uma daquelas falsas evidências? “Barata é onívora é barata, Reinaldo!” Pois é. Ninguém pode acusar essa coisa nojenta de dificuldades de adaptação ou risco de extinção, né? Infelizmente. Será que se a gente tivesse se alimentado só de frutas, ervas e raízes, teríamos chegado até aqui ou estaríamos, ainda, para gáudio de alguns, disputando cipós com os nossos primos? Li em algum lugar, estou certo — mas não vou parar para pesquisar —, que a carne foi fundamental no desenvolvimento do nosso cérebro. Infiro que a carne pode ter sido importante no fornecimento dos elementos objetivos que nos permitiram desenvolver também a ciência moral, que é coisa que os outros bichos, carnívoros ou não, vamos reconhecer, não têm. Não deve ter sido só a carne, ou um leão seria Caetano Veloso, né? Mas é Caetano que é um leãozinho…
Aliás, nas conversas absurdas que andam por aí, há algumas barbaridades da lavra de Peter Singer, sobre quem Rodrigo Constantino já escreveu em seu blog. Um dos textos do livro “Esquerda Caviar”, que será lançado em São Paulo na terça próxima, trata do assunto. Reproduzo um trecho (em azul):
Peter Singer, o mais famoso defensor dos direitos dos animais, tem uma ética utilitarista bastante peculiar. Para ele, está tudo bem em se eliminar um bebê deficiente se isso estiver no melhor interesse do bebê (?) e de seus familiares. Entende que muitas pessoas considerem isso chocante, mas acha contraditório que pensem assim aqueles que aceitam o direito de aborto. Julga medieval a noção de que a vida humana é sagrada, e considera o Cristianismo seu grande inimigo.
Em seu livro Ética prática, Singer coloca a capacidade de sofrimento como o grande fator na hora de avaliar direitos. Se o rato sofre quando usado em experimentos, então isso deve ser evitado. Por outro lado, se o idoso não sofre com uma injeção letal, segundo sua ética utilitarista, tudo bem. Singer diz: “Os especistas humanos não admitem que a dor é tão má quando sentida por porcos ou ratos como quando são seres humanos que a sentem”.
Logo, ser um “especista” – alguém que prioriza a sua própria espécie – seria análogo a ser racista entre humanos. Singer coloca em pé de igualdade aquele que julga inferior um membro de outra “raça” (sic) humana e aquele que se julga acima e digno de mais direitos que um rato ou um porco.
Com base em seu único critério, o do sofrimento, alega que recém-nascidos da nossa espécie, por não terem elevado nível de consciência ainda, seriam tão passíveis de uso em experimentos quanto animais. O mesmo valeria para deficientes mentais. O filósofo coloca a seguinte questão:
“Se fizermos uma distinção entre os animais e esses seres humanos, caberá também a pergunta: de que modo poderemos fazê-la, a não ser com base numa preferência moralmente indefensável por membros de nossa própria espécie?”.
Retomo
Vejam a que grau de delinquência pode chegar o fanatismo e o relativismo moral. Também para Singer, pois, não há diferença entre um campo de concentração nazista e um matadouro. Mengele poderia ter escolhido animais para fazer seus experimentos, mas resolveu escolher pessoas. Talvez Singer faça ao outro alguma restrição de natureza ideológica, mas não moral. É um escândalo.
Por que isso tudo? Porque passei a ser alvo também da violência retórica de alguns (muitos) que se dizem “vegetarianos” — e descobri que há uma infinidade de subdivisões nessa categoria. Há coisas que francamente não consigo entender e que transformam o ato de se alimentar numa operação de tal sorte complexa que é preciso haver muito tempo livre — que só o capitalismo na sua fase de abundância pode fornecer — para poder sobreviver… Da escolha do alimento à temperatura adequada, a operação, infiro, pode levar algumas horas. Como disse Fernando Pessoa sobre Rousseau, já citei aqui, é preciso que “mordomos invisíveis administrem a casa…”
Paixões sanguinolentas
O que chama a minha atenção é a paixão sanguinolenta dos mais fanáticos. Não estou aqui, obviamente, a me referir a todos os vegetarianos. Mas uma das bobagens influentes que andam por aí  é que o consumo de carne contribui para a agressividade humana. Não deve ser assim…
Há quem sugira que eu seja estripado, empalado, vivissectado (particípio de “vivissectar”; não está no Houaiss, mas está no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa) — isto é, acham que devo ser dissecado, descarnado mesmo, ainda vivo. Um deles deixa clara a razão: “Só para você ver como é bom…”. Não é que ele defenda que eu passe por vivissecção no interesse da ciência. Para ele, isso é irrelevante. Ele só quer que eu sofra muito por ter ideias que ele considera erradas, com as quais ele não concorda. Suponho que se imagine assistindo ao espetáculo de horror. E, obviamente, se divertindo. Depois ele sai dali, de consciência leve e alma vingada, e vai comer alguns aspargos no azeite, com redução de aceto balsâmico e espuma de kiwi…
A gente deve se precaver sempre da fúria dos maus. Eles existem. Mas não devemos temer menos as obsessões dos que se candidatam a salvar a humanidade ou a corrigir todos os seus desatinos, desde que o mundo é mundo. É o que costumo chamar de “bondade concupiscente” .
Digamos que o vegetarianismo seja a escolha mais moral, mais racional, mais adequada aos desafios da humanidade que estão por aí e que estão por vir. Ainda assim, não haveria de se operar essa mudança do dia pra noite, não é? Uma coisa são as escolhas privadas; outra, distinta, impor ou desenvolver um padrão que, creio, desafia aspectos da própria evolução da espécie. De toda sorte, haverá de ser um processo longo, que passa também pelo convencimento e pelo desenvolvimento de uma ciência moral da integração e, em certa medida, da cooptação. Ou não funciona — a menos que se fuzilem comedores de carne. Nesse caso, pode haver uma reação…
Muito bem! Esses vegetarianos que escreveram pra cá — não me refiro, pois, a todos os vegetarianos —, com esse grau de estupidez e de violência retórica, vão convencer a quem? Não estão em busca de aliados, mas de inimigos; não querem divulgar a sua causa; preferem vivê-la como cultura de exceção, num pequeno grupo, como se fossem dotados de uma exclusividade moral que os coloca acima dos demais.
É um comportamento muito típico, aliás, de certos setores radicalizados daquilo que o PT chamava antes “burguesia” e da alta classe média. Como o capitalismo, que a maioria deles também odeia, lhes garante o ócio e a faculdade de fazer escolhas (podem, inclusive, optar pelo vegetarianismo, que é uma dieta cara quando exercida com responsabilidade nutricional), podem sair por aí fazendo sua pregação. Tivessem de coletar, caçar ou pescar para sobreviver — ou, modernamente, de TRABALHAR —, não estariam por aí pregando a morte de humanos porque, segundo dizem, estes não respeitam os bichos.
De todo modo, peço perdão a esses juízes severos. Tão logo a gente consiga dar carne, leite e ovos a todos os pobres anêmicos do mundo, muito especialmente às crianças, prometo integrar as hostes do aspargo.
Mas sem luta armada. O gosto por chicória não foi feito para matar ninguém.
Por Reinaldo Azevedo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Arquivo do blog

Pesquisar este blog