Páginas

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Escritores e a baixa auto-estima

Um escritor de verdade se sente culpado, acha que o que faz não tem importância nem utilidade



Escritores têm egos atormentados, às vezes em farrapos (Foto: Arquivo)
Por Marco Lacerda*

 O escritor peruano Iván Thays recordou recentemente no blog que assina no jornal El País, ‘Moleskine Literário’, uma anedota sobre Ezra Pound quando ainda menino. Não raro, pai de Ezra, que trabalhava cunhando moedas num banco, deixava o filho entrar em sua oficina repleta de sacos com moedas de ouro.
Os colegas do sr. Pound costumavam desafiar aquele menino curioso: “Se você conseguir levantar um desses sacos, pode levá-lo para casa, é seu”. O pequeno Ezra sempre tentava, porém sem nenhum êxito. Para Thays, o mesmo se passa com a ambição literária: “Haverá literatura enquanto nos dispusermos a ir diariamente a um banco e tentar, por mais difícil que pareça, por o saco de ouro nas costas e carregá-lo para casa”.
Pelo menos esta foi a resposta de Iván Thays, nos anos 90, a uma pergunta sobre a ambição literária feita por um grupo de jovens que editavam um jornal universitário. “Eu acabava de publicar meu primeiro livro de contos, ‘As fotografias de Frances Farmer’ e com aquela piada me referia à persistência. Hoje, vinte anos depois, me dou conta de que estava me referindo também ao ouro”
Paul Auster, por exemplo
Há pouco Thays escreveu um ensaio para uma revista argentina em que citava dezenas de frases e anedotas sobre escritores e dinheiro. Ou melhor, sobre escritores e problemas financeiros. Escrever para se tornar milionário pode parecer uma ambição extravagante, embora válida, tão válida como estar disposto a morrer de fome em nome da literatura ou se dispor a ter vários empregos para garantir a sobrevivência.
Causa impacto em muitos escritores e leitores o começo de ‘Da mão para a boca’, de Paul Auster: “Quando cheguei aos trinta, passei anos nos quais tudo o que eu tocava se convertia em fracasso. Meu casamento terminou em divórcio, meu trabalho como escritor naufragava e eu vivia às voltas com problemas de dinheiro. Não me refiro a uma pobreza ocasional nem a ter que apertar o cinto de vez em quando, mas a uma falta de dinheiro contínua, opressiva, que me envenenava a alma e me mantinha num interminável estado de pânico”
Para Iván Thays, a alma envenenada, o pânico e a fome, ao fim e ao cabo, são bons conselheiros literários para alguns, o que não significa que o escritor tenha que ser necessariamente um faminto. “Uma vez me demitiram de um emprego sob a alegação de que estavam me fazendo um favor. Como eu poderia ganhar um salário e pretender ser um autêntico escritor? Acredito que as penúrias econômicas somadas aos baixos salários são agentes que estimulam os escritores a produzir livros geniais, cheios de fome”, diz o blogueiro peruano de 44 anos, considerado um dos melhores escritores latinoamericanos jovens.
Consumidos pela dúvida
Um bom diagnóstico vem da escritora croata Dubravka Ugresic: “Escritores são seres que sofrem de baixa auto-estima. Dizem que temos egos atormentados. Eu diria que temos egos em farrapos. Quando um escritor não tem a segurança de ser ou não ser um escritor (e os escritores de verdade nunca têm) sua compreensão da profissão torna-se irreal. Um escritor de verdade tem problemas de auto-estima, vive consumido pela dúvida, mesmo já tendo sido reconhecido publicamente com prêmios e láureas”.
Thays vai mais longe: “Uma pessoa com baixa auto-estima é como um desses sacos que os boxeadores espancam, sempre levando porradas da vida. Um escritor de verdade se sente culpado, acha que o que faz não tem importância nem utilidade, ou se sente um privilegiado por dedicar-se a um ofício abstrato, enquanto as pessoas sérias dão o sangue em escritórios e repartições sem vida. Para um escritor de verdade o dinheiro é um presente que cai do céu. Vivem do que escrevem, não do que ganham”.
Com certeza por isso, é comum encontrar escritores de baixa auto-estima em encontros e retiros literários. Nessas ocasiões, consumido pela solidão, com a ajuda de uma bolsa de estudos miserável e alojado num quarto sem banheiro, o escritor de baixa auto-estima escreve sua obra-prima. Ao terminar, recebe como pagamento uma quantia nunca maior que o salário mensal de seu editor.
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor-Especial do DomTotal

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Arquivo do blog

Pesquisar este blog