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sábado, 12 de outubro de 2013

sábado, 12 de outubro de 2013

Vinícius: Poeta do amor, cantor da mulher



(Foto: Reprodução)
O uso e o quase abuso dos diminutivos pontilhavam sempre as palavras e o discurso de Vinicius de Moraes.  E por isso só consigo referir-me a ele como “o poetinha”.  Mas não vá nisso nenhuma insinuação de que fosse um poeta “menor” ou menos importante. 

O diminutivo aí não atinge nem afeta a qualidade.  É questão de estilo.  Estilo informal, meigo, próximo e coloquial.  Estilo amoroso e carinhoso, sobretudo quando se tratava de cantar a mulher, esse ser que ele apreciava e admirava mais que tudo e que não cessou de cantar com sua inspirada lira.

Até a Pátria, o Brasil tão amado que tanto lhe doía na saudade dos exílios diplomáticos, Vinicius chamava no diminutivo: “Patriazinha”.  “Não te direi o nome, pátria minha/ Teu nome é pátria amada, é patriazinha.”  Distante das grandiloquências das quais é pródigo nosso hino – lábaro estrelado, mãe gentil, terra garrida – o poeta só se refere à pátria com um misto de ternura e compaixão que o faz ter sentimentos paterno-maternais para com a nação que deveria inspirar-lhe ardores fiéis e filiais.

Esse jeito carinhoso de ser, de voltar-se com ternura para tudo que existe, Vinicius o derramou em sua poesia, sobretudo nos versos em que cantou o amor, a mais bela experiência humana.  E parece-me que raros poetas o fizeram como ele. 

Vinicius amou e foi amado.  Intensamente, prodigamente, pluralmente.  Sentiu a maravilha de ser amado e a dor de não mais o ser.  Arriscou-se em amores desesperados e colheu solidões que pareciam não ter fim.  Sentiu a magia dos corpos reunindo-se e explodindo em vida com sabor de eternidade e mastigou a dura e amarga experiência do final do êxtase e da queda na banalidade.

Por isso escreveu tão bem sobre o amor entre o homem e a mulher,  “que não seja imortal, posto que é chama/ mas que seja infinito enquanto dure”.  Avisou aos mais jovens e inexperientes que “são demais os perigos desta vida/ pra quem tem paixão”. E entoou o lamento que mais o imortalizou, ao proclamar sem medo que “tristeza não tem fim/felicidade sim”. Especialmente sensível era o poetinha à fragilidade dos momentos felizes, à vulnerabilidade das exaltações momentâneas da paixão.  Sabia por experiência própria que amanhã jazeriam mortas de velhice, ou de desgaste, ou de cansaço.  E “de repente do riso se faria o pranto... e das bocas unidas a espuma... e das mãos espalmadas o espanto.”

Sua lira não parava de extasiar-se e reinventar-se diante da mulher, de seu encanto, sua graça, sua beleza.  De certa forma, impiedoso: “As muito feias que me perdoem/ Mas beleza é fundamental”, continuava, porém delicado, sensível e deslumbrado a dizer que era “preciso que o rosto da mulher adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.” Não importa se vestida de alta costura ou de azul como na revolução chinesa, o poetinha louvará sempre a mulher, que “em sua incalculável imperfeição / constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.”

Porém crítico era igualmente o poetinha com as anti-mulheres: “as mulheres inorgânicas/frias estátuas de talco/com hálito de champagne/ 
e pernas de salto alto”; mulheres a quem “o gênio enfastia/ e a estupidez diverte”.  Atento à justiça e à injustiça à sua volta,  amava a mulher que não se deixava tragar na futilidade como em gelado ataúde de cristal, nem se mascarava com maquiagens de cal.

Vinicius era poeta amante.  Feito para a paixão, o carinho e o cantar da beleza do amor e das parceiras do amor: as mulheres.  Compôs muitos poemas e também canções, levantando bem alto a bandeira da beleza feminina.  Algumas passaram as fronteiras do país e chegaram até todos os hemisférios, tornando-se verdadeiros hinos como Garota de Ipanema.

Já outras, mais profundas e de difícil assimilação e conturbada poesia, cantam a mulher como mistério. Como a canção aos olhos da amada, os quais compara a cais noturnos, cheios de adeus; a docas mansas cheias dos segredos de navios, de saveiros, de naufrágios.  A esta mulher que eram e que são todas as mulheres, deslumbrantes, maravilhantes, extasiantes, o poeta cantou durante toda a vida até que o canto se lhe apagou como acontece com a cigarra.

A mulher amada pelo amável e amante poetinha, Vinicius de Moraes tinha olhos ateus, mas podia criar esperança nos olhos seus. Pois se Deus houvera, - afirmava o poetinha, resistente à tentação da fé - fizera-os Deus.  A poesia e a música de Vinicius de Moraes, que se quer ateia e não batizada, ao contemplar a beleza feminina explode em canto que é louvor sem instituição, hino sem igreja, júbilo puro pela criação que  revela o Criador ainda que sem dar-lhe nome.

Por tudo isso e mais que isso, em seu centenário, as mulheres lhe rendem preito.  E todos aqueles que buscam o amor em cada passo da vida curvam-se ante o poetinha,  que em sua vida que hoje seria centenária outra coisa não fez senão cantar o amor. 

Maria Clara Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. É autora de diversos livros, entre eles, ¿Un rostro para Dios?, de 2008, e A globalização e os jesuítas, de 2007. Escreveu também vários artigos no campo da Teologia. 

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