Liberdade, liberdade!
Os muitos crimes que se cometem em toda parte em nome desse ideal fugidio da humanidade.
Por Evaldo D´Assumpção*
Ah! Pobre Brasil que arrota liberdade, mas vive cativo da falta de seriedade!
Uma frase famosa, porém atribuída a personagem errada, foi pronunciada pelo embaixador brasileiro na França, diplomata Carlos Alves de Souza Filho, depois de reunião com o presidente De Gaulle, em que se discutiu a chamada “Guerra da Lagosta”, em 1962. “Le Brésil n’est pas un pays serieux“ – “O Brasil não é um país sério”, teria dito De Gaulle. Contudo não foi ele, mas o diplomata irritado com as peripécias brasileiras na questão do cobiçado fruto do mar.
Outra paternidade – ou maternidade – errônea diz respeito à frase: “Ó Liberdade, quantos crimes cometem-se em teu nome!” Atribuída a Maria Antonieta, ao subir para a guilhotina em 16 de outubro de 1793, foi na realidade pronunciada por Manon Roland, membro do Partido Girondino e esposa do Ministro do Interior da França em 1792, depois da Revolução Francesa em 1789. Caindo em desgraça, Madame Roland foi julgada,condenada à morte e guilhotinada em 8 de novembro de 1793. Quando a charrete que a conduzia à guilhotina, na Praça da Concórdia, em Paris, passou diante da estátua da Liberdade ela exclamou a frase que ficou para a história.
Essas duas frases pronunciadas na França e em épocas distintas, referem-se, com muita propriedade, ao Brasil de hoje. Diante das trapalhadas do STF no trato do mensalão; diante dos malabarismo de nossos legisladores e governantes para se locupletarem e em seguida escapar da tíbia mão da justiça; diante do prende e solta da polícia em suas ações contra a criminalidade; diante da miríade de situações que contemplamos estarrecidos e impotentes, não há como reafirmar as duas coisas: Tantos crimes se cometem em nome da liberdade, num pais que nada tem de sério.
À sombra de uma fantasiosa liberdade eivada de firulas jurídicas, que favorece os bandidos e prende os honestos,que impede os pais de educar seus filhos, que restringe ações restritivas e punitivas capazes de recolocar os desviados no caminho da ética e da moral; comportamos como o mendigo que veste fraque e cartola achados no lixo, e se acredita um magnata dessa hipócrita sociedade capitalista-consumista.
Cito exemplos singelos: cachorros transitam pela praia, ali deixando livremente seus dejetos contaminantes, e os serviços públicos de controle desse absurdo alegam não poder agir por impedimentos legais. Políticos são condenados por desvios de verbas e outros delitos, mas não perdem seus mandatos por decisões de seus pares – não seria melhor dizer comparsas?
Bandidos travestidos de reivindicadores cobrem-se de máscaras para vandalizar, quebrar e roubar, protegidos por hipócritas decisões legais que impedem a exigência de quem quiser se manifestar, ter a coragem de se identificar. E aí está mais um nó: o anonimato tornou-se instituição nacional, permitindo a toda espécie de bandidos ser preservada de identificação, em respeito a leis fajutas, criadas exatamente para proteger os marginais.
Empresas prestadoras de serviço, como as editoras de revistas semanais, descontinuam a entrega para seus assinantes e nem sequer dão alguma satisfação pela incúria de seus departamentos de distribuição. E as telefônicas, que abusam de seus usuários, cobrando caro e prestando serviços de péssima qualdiade. Todas elas com os seus SACs (Serviço de atendimento ao cliente) funcionando a base de irritantes atendentes virtuais que nada resolvem, ou atendentes vivos que só sabem tentar impingir novos produtos. Que também não prestam.
Um país onde hospitais do interior, postos de saúde até mesmo das grandes cidades, carecem de leitos, material de curativos, medicamentos, alimentos, higiene, às vezes até água corrente e esgoto permeável, seus governantes apontam o dedo imundamente corrupto contra a classe médica, como se ela fosse a responsável pelo descalabro da saúde brasileira. E busca médicos-escravos-estrangeiros para salvar a nossa pátria amada, idolatrada. Enquanto isso, o povo ingênuo acredita e aplaude a demagógica estupidez.
* Evaldo D´Assumpção é médico e escritor.
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